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domingo, 30 de maio de 2010

Adriana C. - esquadros



Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de almodóvar
Cores de frida kahlo, cores
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca,
Uma cápsula protetora
Ah! Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome nos meninos que têm fome

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados de um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto pra quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço?
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado

sexta-feira, 28 de maio de 2010



"Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim,há muito tempo estava
acostumado a apenas consumir pessoas como se consomem cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe mas foi só mais um engano? E quantos ainda restam na palma da minha mão? Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca..."

Caio Fernando Abreu ♥

quinta-feira, 27 de maio de 2010

-


"Penso, com mágoa, que o relacionamento da gente sempre foi um tanto unilateral, sei lá, não quero ser injusto nem nada - apenas me ferem muito esses teus silêncios."

quarta-feira, 26 de maio de 2010


"Há muitas coisas que quero, de uma vez por todas, não saber. A sensatez estabelece limites mesmo ao conhecimento"NIETZSCHE

sábado, 22 de maio de 2010

A quilha - Juliana martins.




O corpo vai pra terra,
a alma vai pro céu,
e o eu pra onde vai?
vai pro papel

Porque eu ei de estar
e ei de ir,
e se não o rosto,
se não a voz,
no papel estão os nós

e nesses nós além de laços
frutos,cacos,e quilhas pro teu barco
fica escrito meu legado.

Porque a alma vai pro céu
o corpo vai pra terra,
e o eu (essas palavras)
não se enterra.

CARTAS DE MEU AVÔ - Manuel Bandeira.




A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente...
A chuva, em gotas glaciais,
chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado...
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala...

A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.

A paixão, medrosa dantes,
Cresceu, dominou-o todo.
E as confissões hesitantes
Mudaram logo de modo.

Depois o espinho do ciúme...
A dor... a visão da morte...
Mas, calmado o vento, o lume
Brilhou, mais puro e mais forte.

E eu bendigo, envergonhado,
Esse amor, avô do meu...
Do meu - fruto sem cuidado
Que ainda verde apodreceu.

O meu semblante está enxuto.
Mas a alma, em gotas mansas,
Chora abismada no luto
Das minhas desesperanças...

E a noite vem, por demais
Erma, úmida e silente...
A chuva em pingos glaciais,
Cai melancolicamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

quarta-feira, 19 de maio de 2010




EGO
ECO
- eu!
eu!
eu!
eu!
eu...

Juliana M.

sábado, 15 de maio de 2010


e hoje está bem claro,que nunca parou de doer.
essa velha mania de me fazer casca grossa,
rude,indiferente,só me mostra que como todo mundo,
eu tenho sentimentos,e eu não posso passar por cima de tudo.
Antes é necessário chorar a dor o suficiente,não se pode pular
nenhuma fase da perda,da desgraça,o processo é lento,
mas ele se torna mais lento se pulamos algumas partes.




e como tem se prolongando...


A solidão está em todas as partes desse mundo.Sozinha.

Juuh M.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

azul-velho-morto - Juliana M.


Eu tinha lá os meus 12 anos,e finalmente o frio chegara.
Ah, o frio sempre foi a melhor sensação que se pode sentir.
e eu adorava passar o dia todo empacotada,o dia todo cheia de roupas,
tomando café,chá,qualquer coisa que aqueça.Em um dia de frio,um dia de maio,
meu velho pai vem até minha casa e me dá de presente um agasalho azul.
Não era bem um azul.não era um azul frio também que causava tranquilidade,era um azul velho,um azul bem sem vida mesmo,cor azul-morto.também era feito de crochê.E eu fiquei agradecida,pois estava realmente precisando.
Fui ao colégio com a blusa azul-morto,e durante vários dias,nada aconteceu.
na minha sala tinha um garoto,um garoto de cabelos bem escuros,com fama de engraçadinho,e ele me disse em tom zombeteiro,que eu havia pegado minha blusa emprestada da minha avó,e eu não havia.Eu não sabia o que tinha de errado na minha blusa tão quentinha,que até minhas mãos cobria,e que se encaixava perfeitamente no meu corpo demasiadamente magro e pouco desenvolvido.as pessoas agora riam de mim,da minha avó,e minha blusa-crochê-azul-morto.Apesar de não saber o porque de tanta graça,nunca mais usei a blusa,tive vergonha.Preferia ir com frio,com qualquer outra blusa,menos com a azul-morto.Por diversas vezes me perguntavam se tinha devolvido a minha avó.Meu pai ficou bem triste pela blusa não ser mais usada por mim.Tantos anos após o ocorrido,passando por uma dessas ruas do centro,avisto em uma loja bem discreta uma blusa tão parecida com essa,minha blusa azul-velho-morto.Não resisti em compra-la.Hoje me cai tão bem,que mal me importo com a frieza das pessoas lá fora,estou eternamente empacotada pela azul-velho-morto.


estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
Clarice Lispector

segunda-feira, 10 de maio de 2010


[...] sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor, pois se eu me comovia vendo você, pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo, meu Deus...como você me doía! De vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno, bem no meio duma praça, então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta, mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme...só olhando você, sem dizer nada só olhando e pensando: Meu Deus, mas como você me dói de vez em quando! Caio

direção - juu martins.


Eu não queria precisar pedir ou implorar pra que tentasse me compreender,
eu só queria um abraço,daqueles sabe,bem apertado,e uma palavra gentil.Quem sabe
se fizesse um café ou um chá de hortelã( Se ao menos soubesse ser esse meu chá preferido),ou sei lá,que esquentasse meus pés do frio,ou ao menos pegasse uma coberta.
eu só queria o que o dinheiro não trás,eu só precisava de um pouco mais de vigilância, ou sei lá, poderia pelo menos ler as coisas que eu escrevo,ou,procurasse saber como eu estou,perguntando amigos.Essas perguntas diretas torna tudo menos mágico,porque isso que eu vivo querendo dizer,essa prece. soa mais uma ordem que uma prece.e na verdade eu não queria que fosse coisa alguma,nem prece nem ordem.Queria que dentro de você,existisse aquele velho interesse,aquela velha busca silenciosa.Hoje,o único silêncio existente entre nós,é esse meu coração que não responde mais seus chamados tão diretos.

Juliana M.

;


"Eu preciso muito muito de você, eu quero muito muito você aqui de vez em quando, nem que seja muito de vez em quando. Você nem precisa trazer maçãs, nem perguntar se estou melhor, você não precisa trazer nada, só você mesmo. Você nem precisa dizer alguma coisa no telefone, basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio, juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro. Mas eu preciso muito muito de você."
Caio fernando abreu.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

o gole seco. - Juliana M.



tudo anda confuso demais,
andam estressante demais,
anda triste demais,
e pior,anda pra lugar algum.
os maços de cigarro dobraram,
a angústia dobrou,
e toda essa sujeira também.
eu não consigo mais pensar no que preciso,
(como se soubesse exatamente o que preciso pensar!)
e eu ando empurrando pra frente
velhas dores,
ando chutando,como quem sempre chuta um lixo na rua,
empurrando-o sempre pra frente,apenas por não ter melhor distração.
e eu ando o que é pior,não querendo ver isso.
ando querendo parar,parar pra pra pensar,
ando querendo esquecer disso aqui,
ando querendo sair de mim mesma,como quem não gosta do que sente,
ou como quem quer sentir,o que não sente.
insatisfação,encontrei a palavra exata.
e ela se remoe sempre aqui dentro,
dentro do meu peito,como se renovasse a cada amanhecer,
a cada cigarro queimando,a cada gole seco.
e eu não preciso alimenta-la,
aparentemente se alimenta dessa sujeira,que me envolve.

alivio.


por que vai chegar um dia,em que nenhum amor será suficiente
pra tornar doce o amargo.
não será suficiente que estanquem o sangue,
e sim que terminem de me matar.e é desse amor,
que falo eu.

Juliana martins.

caio fernando abreu :


Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um bom combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição."
Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 3 de maio de 2010

true.


por que hoje não me atendeu,
e eu sei que quer tirar,
essa morada que fiz,
quer que saia em um pulso só,
do seu coração.
a é claro que sei,
não tenho conservado bem,
e eu não tenho tratado
ninguém da forma como deveria.
mas eu sei,eu sei que quero
ver só sorriso em seu olhar.


Hoje,depois da noite que passamos,
pensei em papel escrever tantas coisas bonitas.
Hoje,preciso tornar concreto esse meu pensamento,
esse meu devaneio,esse amor que está aqui preso.
preciso olha-lo,não só sentido.
eu preciso que saibam,eu preciso que vejam,
e depois disso,sintam,veja como é,
meu verdadeiro amor.
Porque eu segurarei o mundo nas costas,
por nossa felicidade.
{Keyci,Nayara}

S.O.J.A - True Love (: (amor verdadeiro)



Assim como a terra que carrega o nome da África
O amor está na minha mente.
É para todos, não importa de onde você é,
Amor ultrapassa todas as barreiras.
Como o sentimento de todas as estações mudando,
O amor é uma memória
E nestes últimos dias, quando a iniquidade surpreende,
Verdadeiro amor fala.

Eu preciso de amor verdadeiro
Você sabe o que voce significa para mim
(Verdadeiro amor)
Demonstra como eu vivo e como eu respiro
(Verdadeiro Amor)
No vale da sombra, eu sei que você estará.
(Verdadeiro Amor)
Eu defendo, eu domino a morte
E eu domino o inimigo (inveja).

O que é o amor realmente se ela afeta apenas um aspecto da vida?
Isso é como um músico que só aceita o seu próprio tipo musical.
Isso é como um pregador que apenas respeita domingo de manhã, e não sábado à noite .
Isso é como um soldado pode vir a refletir,
Esse amor é mais do que marido e esposa.


Em uma época de abundância, Jah irá me manter forte.
As coisas chegarao e eu me manterei legal, yeah,
Jah irá me manter forte.
Quando meu copo estiver vazio,
Jah irá me manter forte.
Quando meu copo estiver cheio, yeah,
Jah me mantera a partir de sua tentação.

domingo, 2 de maio de 2010

Do outro lado da tarde.- caio fernando abreu ;


Sim, deve ter havido uma primeira vez, embora eu não lembre dela, assim como não lembro das outras vezes, também primeiras, logo depois dessa em que nos encontramos completamente despreparados para esse encontro. E digo despreparados porque sei que você não me esperava, da mesma forma como eu não esperava você. Certamente houve, porque tenho a vaga lembrança - e todas as lembranças são vagas, agora -, houve um tempo em que não nos conhecíamos, e esse tempo em que passávamos desconhecidos e insuspeitados um pelo outro, esse tempo sem você eu lembro. Depois, aquela primeira vez e logo após outras e mais outras, tudo nos conduzindo apenas para aquele momento.

Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou. E foi essa coisa que me levou há pouco até a janela onde percebi que chovia e, difusamente, através das gotas de chuva, fiquei vendo uma roda-gigante. Absurdamente. Uma roda-gigante. Porque não se vive mais em lugares onde existam rodas-gigantes. Porque também as rodas-gigantes talvez nem existam mais. Mas foram essas duas coisas - a chuva e a roda-gigante -, foram essas duas coisas que de repente fizeram com que algum mecanismo se desarticulasse dentro de mim para que eu não conseguisse ultrapassar aquele momento.

De repente, eu não consegui ir adiante. E precisava: sempre se precisa ir além de qualquer palavra ou de qualquer gesto. Mas de repente não havia depois: eu estava parado à beira da janela enquanto lembranças obscuras começavam a se desenrolar. Era dessas lembranças que eu queria te dizer. Tentei organizá-las, imaginando que construindo uma organização conseguisse, de certa forma, amenizar o que acontecia, e que eu não sabia se terminaria amargamente - tentei organizá-las para evitar o amargo, digamos assim. Então tentei dar uma ordem cronológica aos fatos: primeiro, quando e como nos conhecemos - logo a seguir, a maneira como esse conhecimento se desenrolou até chegar no ponto em que eu queria, e que era o fim, embora até hoje eu me pergunte se foi realmente um fim. Mas não consegui. Não era possível organizar aqueles fatos, assim como não era possível evitar por mais tempo uma onda que crescia, barrando todos os outros gestos e todos os outros pensamentos.

Durante todo o tempo em que pensei, sabia apenas que você vinha todas as tardes, antes. Era tão natural você vir que eu nem sequer esperava ou construía pequenas surpresas para te receber. Não construía nada - sabia o tempo todo disso -, assim como sabia que você vinha completamente em branco para qualquer palavra que fosse dita ou qualquer ato que fosse feito. E muitas vezes, nada era dito ou feito, e nós não nos frustrávamos porque não esperávamos mesmo, realmente, nada. Disso eu sabia o tempo todo.

E era sempre de tarde quando nos encontrávamos. Até aquela vez que fomos ao parque de diversões, e também disso eu lembro difusamente. O pensamento só começa a tornar-se claro quando subimos na roda-gigante: desde a infância que não andávamos de roda-gigante. Tanto tempo, suponho, que chegamos a comprar pipocas ou coisas assim. Éramos só nós depois na roda gigante. Você tinha medo: quando chegávamos lá em cima, você tinha um medo engraçado e subitamente agarrava meu braço como se eu não estivesse tão desamparado quanto você. Conversávamos pouco, ou não conversávamos nada - pelo menos antes disso nenhuma frase minha ou sua ficou: bastavam coisas assim como o seu medo ou o meu medo, o meu braço ou o seu braço. Coisas assim.

Foi então que, bem lá em cima, a roda-gigante parou. Havia uma porção de luzes que de repente se apagaram - e a roda-gigante parou. Ouvimos lá de baixo uma voz dizer que as luzes tinham apagado. Esperamos. Acho que comemos pipocas enquanto esperamos. Mas de repente começou a chover: lembro que seu cabelo ficou todo molhado, e as gotas escorriam pelo seu rosto exatamente como se você chorasse. Você jogou fora as pipocas e ficamos lá em cima: o seu cabelo molhado, a chuva fina, as luzes apagadas.Não sei se chegamos a nos abraçar, mas sei que falamos. Não havia nada para fazer lá em cima, a não ser falar. E nós tínhamos tão pouca experiência disso que falamos e falamos durante muito e muito tempo, e entre inúmeras coisas sem importância você disse que me amava, ou eu disse que te amava - ou talvez os dois tivéssemos dito, da mesma forma como falamos da chuva e de outras coisas pequenas, bobas, insiginificantes. Porque nada modificaria os nossos roteiros. Talvez você tenha me chamado de fatalista, porque eu disse todas as coisas, assim como acredito que você tenha dito todas as coisas - ou pelo menos as que tínhamos no momento.

Depois de não sei quanto tempo, as luzes se acenderam, a roda-gigante concluiu a volta e um homem abriu um portãozinho de ferro para que saíssemos. Lembro tão bem, e é tão fácil lembrar: a mão do homem abrindo o portãozinho de ferro para que nós saíssemos. Depois eu vi o seu cabelo molhado, e ao mesmo tempo você viu o meu cabelo molhado, e ao mesmo tempo ainda dissemos um para o outro que precisávamos ter muito cuidado com cabelos molhados, e pensamos vagamente em secá-los, mas continuava a chover. Estávamos tão molhados que era absurdo pensar em sairmos da chuva. Às vezes, penso se não cheguei a estender uma das mãos para afastar o cabelo molhado da sua testa, mas depois acho que não cheguei a fazer nenhum movimento, embora talvez tenha pensado.Não consigo ver mais que isso: essa é a lembrança. Além dela, nós conversamos durante muito tempo na chuva, até que ela parasse, e quando ela parou, você foi embora.

Além disso, não consigo lembrar mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um detalhe, mas sei perfeitamente quando uma lembrança começa a deixar de ser uma lembrança para se tornar uma imaginação. Talvez se eu contasse a alguém acrescentasse ou valorizasse algum detalhe, assim como quem escreve uma história e procura ser interessante - seria bonito dizer, por exemplo, que eu sequei lentamente seus cabelos. Ou que as ruas e as árvores ficaram novas, lavadas depois da chuva. Mas não direi nada a ninguém. E quando penso, não consigo pensar construidamente, acho que ninguém consegue. Mas nada disso tem nenhuma importância, o que eu queria te dizer é que chegando na janela, há pouco, vi a chuva caindo e, atrás da chuva, difusamente, uma roda-gigante. E que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou.

Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás,

uma carta que nunca será entregue à um pai distante.


Pai.Hoje tenho 17 anos,e estou finalmente mudando minha forma de ver você.
Desde quando fomos embora,eu minha mãe,e meu irmão,
Eu não compreendi seus atos,mas vou falar um pouco sobre o que passou.
Eu era só uma criança boba e fútil,com gosto exótico por roupas,e claro
queria me formar em grupos,como toda criança.Acontece que de nenhuma forma,
minha mãe aceitava essa condição,de ter que formar a minha infância,
e não compreendia,esse processo importante,até compreendia,só que a vergonha não permitia com que me aceitasse.Fui uma criança um pouco excluída em certos termos
da família da minha mãe,isso não foi visto por você,pai,porque não teve a chance de estar por perto,todos ligam muito pra aparência,e por inúmeras vezes tentavam me mudar.Se lembra daquele coturno que me deu? era difícil achar no mundo,algo mais feio.Mas me deu,e não opinou sobre ele.
todos queriam que eu fosse como eles,tentaram me impor,tentaram tirar você da minha vida,tirar de você a posição de pai.E logo você que estava tão longe,e que sequer poderia se defender?
Só que eu senti uma diferença enorme entre você e todas as outras pessoas fúteis com qual convivo dentro da família da minha mãe.Você não tentou nunca me impor nada,
ou sequer ligou pra roupa que eu queria usar.nem com a minha nem com a sua,ou com qualquer outra que pudesse ver.Porque você é mais que isso.Você conseguiu me fazer enxergar as coisas,sem escancarar meus olhos.Você conseguiu ser amado por mim,não me impondo,ou obrigando a estar na sua casa,ou estar por perto de você.
Hoje eu sou uma pessoa que não me abro bastante com você,não o suficiente,mas
essas coisas não são importantes.nunca precisamos trocar essa palavra pra saber que sou sua filha,e sou aquela que te ama,e te agradece por ter dado a mim,
a melhor educação,a melhor forma de pensar e ser.
juliana 02/04/10

sábado, 1 de maio de 2010


Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.
Caio Fernando Abreu