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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Cecília Meireles - O menino de sal.


Ei os menino de sal,
o menino de sal que pesa no meu coração.
Olhai o fundo dos meus olhos,
por este prisma de lágrimas,
olhai, olhai, e avistareis
o menino de sal,
o outrora azul menino de doce rosto
em que desejei pregar
asas de Amor e de Anjo.

Eis o menino de sal,
que os bruxos arrebatam,
que os saltimbancos pousam num fio tênue,
que as feras cobiçam, de dentes á mostra,
num horizonte amargo.

Vede no fundo dos meus olhos
o menino de sal
que se vai fundir em oceanos desvairados.

Falo-vos de um menino que adivinhava o mundo,
que queria vencer a morte,
que acordava alta noite, com pesadelos sôfregos
de florestas, matilhas e espingardas.

Falo-vos de um menino límpido,
que amava a água e o jasmim,
que queria ressuscitar os mortos,
que pairava entre as primeiras palavras
incerto como a lua no lábio das nuvens.

Eis o menino de sal
que de muito longe me estende as mãos
sobre um tempestuoso deserto,
sobre uma noite sem margens...

Pensareis que falo de um menino morto...

Falo-vos de um menino de sal,
de um menino banhado em lágrimas,
de um menino sozinho num campo de duros combates,
de um menino de olhos abertos no inferno,
imóvel entre vampiros, sonâmbulos e loucos.

Falo-vos de um menino que ninguém poderá salvar,
se a luz do céu não descer por dentro dele
e não arder brilhante e firme como um divino arco-íris
e não for sua bússola e sua alma,
sua respiração, sua voz, sua vontade e seu ritmo.

Eis o menino de sal,
o outrora azul menino,
subitamente esquecido, desamado, flor cortada que ainda não sente
que arrancaram da terra e entretem sua vida
em provisória água falaz.

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